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Terminou a primeira versão do seu guião? Parabéns! Já fez mais do que 90% dos candidatos a guionistas. Mas ainda há muito a fazer; nem pense em mostrar o seu guião sem primeiro passar pela fase da reescrita. Por muita vontade que tenha de ouvir outras opiniões, nunca dê a ler a ninguém, especialmente a um profissional, um guião com que não esteja 100% satisfeito; não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão.
Este artigo está, a título experimental, disponível como uma “folha de ajuda” em formato .pdf. Se achar esta solução útil, deixe a sua opinião nos comentários.
Baixe aqui: A reescrita em 10 passos (145)
O segredo de uma boa reescrita é não querer corrigir tudo ao mesmo tempo. Fica mais fácil, e é mais proveitoso, se passar várias vezes pelo guião, abordando um determinado tipo de problemas de cada vez. É como se, em cada etapa, colocasse uma lente diferente no seu olhar, para filtrar uma e só uma faceta do trabalho. Vejamos então o que tem de fazer, passo a passo:
Durante todo este processo, não se esqueça de se pôr sempre no papel do leitor e, principalmente, do espectador do filme final. Em cada momento, em cada cena, que informação é que eles já têm? O que é que sabem e o que é que lhes falta ainda descobrir? Que emoções devem estar a sentir? O que pode ser melhorado para os manter agarrados à estória?
Quando achar que, sozinho, já não consegue melhorar o seu guião, está na altura de pedir ajuda externa. A primeira coisa a fazer é registá-lo no organismo público competente. Em Portugal é o IGAC, no Brasil é o Escritório dos Direitos Autorais de cada Estado.
Depois de registado, dê-o então a ler a pessoas da sua confiança, que tenham a capacidade de interpretar um guião. Conte com algum tempo para esta etapa, pois não é fácil arranjar a disponibilidade necessária para fazer uma leitura atenta de um guião.
Prepare-se para alguma surpresas. Quem lê um guião sem ideias feitas vai descobrir aspectos — positivos ou negativos — que lhe podem ter escapado. Não é obrigado a aceitar todas as críticas e sugestões que lhe sejam feitas, mas não adianta muito dar a ler um guião se depois adotar uma atitude meramente defensiva em relação ao que escreveu. Mantenha o espírito aberto e aceite a necessidade de voltar a reescrever o seu guião, se isso contribuir para o melhorar.
Repita este processo as vezes que forem necessárias. Só depois de todas estas etapas cumpridas deverá colocar o seu guião nas mãos de um produtor ou realizador, com a segurança de estar a mostrar o seu melhor trabalho.
Boas (re)escritas.
Há quem lhe chame guião e quem prefira argumento; antigamente, era frequente distinguir o argumento dos diálogos; no Brasil fala-se em roteiro. No meio disto tudo, do que é que estamos exactamente a falar?
Um guião é diferentes coisas para diferentes pessoas. Esta definição não parece ser uma grande ajuda mas é essencial entendê-la bem; muitas confusões, mal-entendidos e até conflitos nascem da ignorância desse facto.
Ao longo das diversas fases da sua existência, desde a página em branco até ao filme finalizado, o guião passa por muitas mãos:
Para cada uma destas pessoas o guião representa uma coisa completamente diferente.
Para o seu autor — o guionista — o guião é uma obra literária, original ou adaptada, através da qual ele conta uma história, desenvolve personagens e relações, explora situações e conflitos, apresenta ideias e temas e, de forma geral, dá livre curso à sua imaginação e ímpeto criativo. É, pois, uma obra artística, um produto da sua inspiração e transpiração, um filho que ele vai querer proteger a todo o custo.
Para um produtor de cinema, por outro lado, o guião é um documento de trabalho que lhe vai servir para estimar um orçamento de produção; para obter financiamentos e co-produtores, nacionais e internacionais; para aliciar o realizador e o elenco; enfim, para poder arrancar com a pré-produção de um filme. O produtor aprecia a qualidade intrínseca do guião, o seu valor artístico; mas valoriza sobretudo a sua capacidade de vir a transformar-se num filme.
Antes de chegar à s mãos do produtor, o guião passa muitas vezes pelas mãos de um “leitor”. Este é uma pessoa a quem o produtor paga para ler, avaliar e comentar, num relatório sucinto, os muitos guiões que lhe chegam à s mãos, servindo como um primeiro filtro para separar o trigo do joio dramático. Seduzir e entusiasmar estes eventuais “leitores” (que muitas vezes são também guionistas ou aspirantes a tal) é outro papel essencial para o guião.
Para os financiadores, sejam eles o júri de um concurso público, executivos de uma empresa da especialidade, ou investidores privados, o guião é a primeira prova da viabilidade do filme. É um sinal do empenhamento do produtor, de que já há trabalho realizado, de que não se está apenas a discutir ideias mas sim uma realidade palpável. O financiador vai olhar para o guião tentando ver as suas possibilidades artísticas ou comerciais (o critério varia de caso para caso). Muitas vezes, é apenas com base no guião que ele vai decidir se aplica o seu dinheiro neste filme ou num dos muitos outros projectos que lutam pela sua atenção.
O realizador, por sua vez, tem ainda uma visão diferente do guião. Pode não ter sido ele a escrevê-lo (embora isso aconteça algumas vezes) mas vai competir-lhe a si liderar a equipa que fará o filme. O realizador analisa assim o guião sob pelo menos três perspectivas: a artística — o que é que nestas páginas me tocou, me fez vibrar, me levou a aceitar esta tarefa -, a técnica — que passos vou dar para transformar estas páginas nas imagens e sons que povoarão o écrã — e a pessoal — como é que este guião vai contribuir para a minha evolução e carreira.
Para os actores, que são outro elemento crucial desta complexa equação que é fazer um filme, o guião é a porta que lhes abre a vida íntima dos personagens que vão interpretar na tela. Se estes personagens não estiverem bem caracterizados, os seus diálogos não forem ricos e adequados, os seus comportamentos e acções não foram convenientemente motivados e explicados, o actor terá dificuldade em fazer bem o seu trabalho.
Finalmente, para a equipa técnica — o director de fotografia, o assistente de realização, o director de arte, etc. — o guião é um instrumento de trabalho essencial que os orientará nas suas funções. Cada um irá lê-lo e anotá-lo à sua maneira. O director de fotografia, ao ler uma cena, vai pensar em ambientes e emoções, e vai escolher as lentes e as luzes certas para os obter. O assistente de realização, por seu lado, vai preocupar-se com aspectos práticos — quanto tempo vai isto levar a filmar, de que recursos vamos precisar, etc.
Um guião é um documento escrito que descreve sequencialmente as cenas que compõem um filme e, dentro de cada cena, as acções e diálogos dos personagens e os aspectos visíveis e audíveis que os condicionam.
Na prática, o guião de uma longa metragem é um documento impresso, que tem em média entre 80 e 130 páginas. Se for escrita num formato correcto cada página do guião corresponde grosso modo a um minuto de filme. Como não é normal os filmes terem menos de 80⁄90 minutos nem muito mais de duas horas, qualquer guião que fuja a estas dimensões é logo olhado com alguma desconfiança.
Os guiões para TV terão formatos mais variados. As séries dramáticas de uma hora encaixam razoavelmente nos parâmetros acima descritos. Já as sitcoms, que duram menos de 30 minutos, mas são normalmente cheias de diálogos ditos num ritmo rápido, podem ter guiões proporcionalmente mais longos.
O formato do guião pode variar de país para país, até de produtora para produtora, mas todos os guiões têm algumas coisas em comum:
O ideal é ver um exemplo prático, o que faremos em breve, mas antes disso há ainda um aspecto do guião que é muito importante compreender.
Apesar de ser uma obra artística, o guião raramente chega aos olhos do público final a não ser através do filme no qual, idealmente, se vai transformar. Desse ponto de vista o guião não é um fim em si; é um meio de chegar ao filme. É como uma crisálida — a sua beleza está na borboleta que dela vai nascer, e não em si mesma.
É também fundamental perceber que, devido à natureza colaborativa da arte do cinema, o guião está sujeito a muitas transformações e mudanças. E nem todas serão sempre do agrado do guionista. Depois que a primeira versão do guião sai das suas mãos, muitas pessoas vão pedir (ou exigir) ao guionista que lhe introduza alterações. O produtor, por razões criativas, práticas ou financeiras; o realizador, por motivos artísticos, técnicos (ou de ego); e outras pessoas, com outras justificações, umas vezes razoáveis, outras nem tanto.
É bom o guionista estar preparado para esta realidade. Nos contratos que vai assinar, salvo raras excepções, terá sempre de deixar em aberto a possibilidade de outros guionistas poderem reescrever o seu guião e alterar a sua obra — e muitas vezes isso acontece mesmo.
Se acha que não consegue aceitar isso, é melhor desistir agora mesmo. Talvez o teatro, a literatura ou a escrita de um diário (ou de um blogue como este) sejam melhores escapes para a sua vontade de criar. Mas se está disposto a lidar com esse facto ou, melhor ainda, se a natureza colaborativa do cinema é o que lhe agrada nesta forma de arte, então pode continuar a ler. Está no bom caminho.
Caro João
a publicidade também usa guiões, nos diferentes tipos de media de que se serve? Se sim, quais são as grandes diferentes entre um guião p/publicidade e um guião p/ficção p/cinema ou TV?
Berni
Berni, em publicidade, como em qualquer meio audiovisual que implique um trabalho complexo de uma equipa grande de profissionais, também se usam guiões. Além das diferenças específicas da linguagem publicitária, estes guiões, de forma geral, são mais simples do que os guiões de cinema ou televisão, e não têm um formato tão estandardizado.
Por exemplo, não se dividem normalmente as cenas com cabeçalhos (INT. CASA — DIA) como é obrigatório fazer nos guiões de cinema e tv. A definição dos locais onde se passa a acção fica assim a cargo dos parágrafos de descrição, juntamente com as descrições de personagens, efeitos especiais, etc. O guião resultante fica mais parecido com uma sinopse detalhada, com os diálogos e locuções intercalados no texto.
Quando se trata de filmes um pouco mais compridos, como os chamados vídeos institucionais, é mais comum encontrar um outro formato, em duas colunas. Nesse formato (que pode ser escrito com qualquer processador de texto, como o Word ou o Pages, ou com um programa específico, como o Final Draft AV) a página é dividida na vertical em duas colunas. Do lado esquerdo (VÍDEO) ficam as descrições (locais, acções, personagens, efeitos visuais, etc) e do lado direito (ÁUDIO) os diálogos, locuções, músicas e efeitos sonoros correspondentes.
Não devemos confundir este formato audiovisual com o formato “esquerda/direita“[1] usado em muitos guiões de televisão em Portugal; nesse formato televisivo os diálogos ficam também do lado direito e as descrições (e cabeçalhos) do lado esquerdo, mas estes elementos não andam em paralelo, e sim alternando entre si, em sequência.